O Large Hadron Collider (LHC), maior acelerador de partículas já construído, voltou a operar terça-feira, próximo a Genebra, registrando um novo recorde. Pesquisadores da Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (Cern, na sigla em francês), responsáveis pelo projeto, provocaram a colisão de dois feixes de prótons a uma energia de 7 teraelétron volts (TEV), algo jamais observado em laboratório. O resultado obtido equivale a uma espécie Big Bang em miniatura, e emocionou cientistas do mundo todo, que assistiram o feito em tempo real, por meio de um link remoto. Os cientistas consideraram o experimento como o princípio de uma nova era para a física moderna.
Desligado em setembro de 2008 por superaquecimento, o LHC visa, principalmente, estudar o comportamento das partículas atômicas a uma velocidade bem próxima a da luz.
Uma dos principais objetivos é a identificação da chamada “partícula de Deus” ou Bóson de Higgs, a única partícula que integra o modelo padrão do universo e que ainda não foi observada, representando a chave para explicar a origem da massa de outras partículas elementares. Até agora, nenhum experimento detectou diretamente a existência do Bóson de Higgs, embora haja alguma evidência indireta de sua existência.
– Assim como temos leis do eletromagnetismo, como o positivo que atrai o negativo, temos um modelo que explica como partículas fundamentais interagem entre si – explica o físico Jun Takahashi, da Unicamp. – Mas para conseguirmos comprovar a veracidade deste modelo, ainda falta encontrar uma peça-chave, o Bóson de Higgs, que só existe isolado em estados de energia muito elevados.
Benefícios
Há ainda os benefícios práticos que resultam de uma pesquisa tão grandiosa quanto a que envolve o LHC, explica Takahashi. Como o experimento é inédito, ele cria uma demanda por novas tecnologias que ainda não existem. Ao longo de pesquisas como esta, há a possibilidade de serem descobertas novas necessidades e especificidades tecnológicas.
– O Cern criou a internet para suprir uma demanda que surgiu durante uma pesquisa de grande porte como esta. – lembra Takahashi. – O laboratório coordenava experimentos de física que envolviam pesquisadores de vários países, e foi preciso criar uma forma de comunicação rápida e eficiente para a troca de informações. A solução foi inventar a internet.
Físicos entrevistados pelo JB foram unânimes em afirmar que o LHC não apresenta qualquer risco para a vida no planeta, na medida em que o que está sendo feito no acelerador – a colisão de um núcleo contra outro próton numa velocidade elevada – “acontece todos os dias na natureza”.
Segundo os pesquisadores, a Terra é bombardeada diariamente por essas mesmas partículas que viajam pelo universo e atingem nossa atmosfera, causando impactos até maiores do que os gerados pelo LHC.
– É cientificamente comprovado que essas colisões acontecem o tempo todo, e continuamos vivos por aqui – ressalta o físico da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Luiz Mundim.
Ainda segundo os pesquisadores, a diferença do experimento é que se está colidindo partículas de forma controlada, em frente aos detectores instalados no superacelerador.
– É a primeira vez que geramos tanta energia em laboratório, e sei que poderemos reproduzir isso milhares e milhares de vezes, obtendo o mesmo resultado, o que caracteriza um dos pilares de qualquer experimento científico – conclui Takahashi.
>> Detalhes do LHC
* Como funciona
Dois feixes de 1 bilhão de prótons cada um, acelerados a uma velocidade próxima à da luz, percorreram um túnel circular de 27 quilômetros. Os feixes de prótons colidiram a uma velocidade três vezes maior que o recorde anterior, gerando uma energia de 7 teraeletrovolts (TeV). O experimento representa o começo de uma série de milhões de choques similares que ocorrerão durante um período de 18 a 24 meses
* Custo
O superacelerador de partículas custou, aproximadamente, US$ 10 bilhões
* Consertos
O experimento foi lançado com pompas em 10 de setembro de 2008, mas apresentou problemas nove dias depois. Os reparos e as melhorias custaram US$ 40 milhões, até que o aparelho voltou a operar, no fim de novembro de 2008. Terça-feira, ele falhou duas vezes antes de começar a colidir partículas
* Potência
O LHC funciona atualmente sem utilizar todo o seu potencial, já que foi concebido para produzir choques a uma velocidade de 14 TeV, ou 99,99% da velocidade da luz, que pode alcançar em 2012.
Teólogos não vêem conflito com religião
Embora o LHC tenha por objetivo recriar, em laboratório, uma situação similar aos instantes imediatamente posteriores ao Big Bang, para a maioria dos teólogos e religiosos entrevistados pelo JB, o superacelerador de partículas não representa qualquer ameaça ou desafio para as religiões. À medida em que o experimento é utilizado com fins considerados éticos, ou seja, para facilitar o conhecimento científico a respeito do universo e não apenas para saciar a curiosidade humana, o projeto não criará um problema teológico, afirmam.
– Se o acelerador puder ajudar o ser humano a se relacionar melhor com o universo, o meio ambiente e a construção da paz no mundo, não vejo problema nenhum – diz Isidoro Mazzarolo, teólogo da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC). – A ciência é benéfica. Afinal, Deus deu a inteligência para o homem buscar compreender universo.
O padre Paul Schweitzer, também da PUC, ressalta que, de um modo geral, não há conflito entre a ciência e a teologia. Ele lembra ainda que, “no livro de Gênese, Deus pediu ao homem para crescer, multiplicar e dominar a Terra, cuidando sempre dela, claro”.
– Deus criou o universo e fica feliz quando descobrimos cada vez mais sobre as suas propriedades – afirma o padre. – O domínio do conhecimento para poder fazer o bem com o que Deus criou está perfeitamente dentro da nossa missão.
Mazzarolo explica ainda que o acelerador não é a mesma coisa que a criação divina, pois esta “gerou energia do nada, enquanto o LHC precisou ser munido de partículas”.
– O instrumento é chamado de acelerador de partículas – salienta. – Sem as partículas, não teríamos o experimento. Já o universo, criado do nada, se autogerencia, se purifica e se equilibra.
Temor
Já para o teólogo Leonardo Boff, todo o conhecimento científico vale a pena, contanto que a sua utilidade prática seja submetida a critérios éticos. Ele lembra que a teoria da relatividade de Albert Einstein, considerada um dos grandes avanços da ciência, ao cair em mãos erradas, possibilitou a criação e utilização da bomba atômica.
– O importante é saber como esse conhecimento está sendo manipulado. – diz Boff. – Depois de ver o que fizeram com a sua teoria, Einstein, pacifista que era, entrou em crise, e em seguida passou a lutar contra a guerra nuclear.
Boff defende que “sempre vale o princípio da precaução” e, tendo em vista que o experimento com o supercolisor nunca foi testado antes, se preocupa com possíveis impactos negativos que ele poderia vir a causar ao planeta.
– Ninguém sabe direito o que acontecerá, porque isso nunca foi tentado antes – argumenta. – A razão é limitada e o universo também. Além disso, geralmente o universo se vinga quando alguém quer ocupar o lugar de Deus.
Em geral, teólogos e físicos afirmaram não gostar do termo “partícula de Deus”, nome dado ao Bóson de Higgs pelo físico e prêmio Nobel de 1988, Leon Lederman, pois o termo parece contestar a existência divina e “cria uma série de especulações que não são objetivas”, aponta o físico Jun Takahashi.
– Deus está em outro nível – declara Boff. – Deus não é apenas um pedaço do mundo.
Fonte: Joana Duarte, Jornal do Brasil
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